quarta-feira, 7 de outubro de 2009

O singular e o plural

O Brasil venceu os EUA, a Espanha e o Japão na disputa pela sede das Olimpíadas. Na final, o Rio de Janeiro derrotou Madri por 66 votos a 32. Os maiores vencedores até agora foram o presidente Lula, o governador Sérgio Cabral e o prefeito Eduardo Paes. Mas há outros assuntos em pauta, naturalmente.

Barack Obama já dissera de Lula que ele "é o cara". A Espanha de Zapatero resmungou um pouco. El País resumiu em manchete: "Madrid 2016: adiós al sueño olímpico". E os que lêem o jornal na internet constataram que frases de Lula traduzidas para o espanhol até melhoram de sabor na língua-irmã, afinal nosso pai ou mãe comum é o latim: "Brasil tiene alma, corazón", disse nosso presidente.

Se dissesse isso cantando, a passos de dança, acompanhado de um bandoneón, a declaração soaria como um verso de um tango de Carlos Gardel.

El País, dispensando tradução para ser entendido, reportou também que Lula disse mais:

"Hemos recibido nuestro carnet de identidad como ciudadanos respetados del mundo." E, citando O Globo, acrescentou: "`Es el fin de nuestro complejo de perros callejeros´, escribió ayer uno de los más importantes analistas políticos, Merval Pereira." Boa tradução para "complexo de cães vira-latas". A expressão foi criada por Nelson Rodrigues em 1958.


"Recebeu o echtrato e deu para a revichta"


Quanto à derrota do Japão, nosso maioral saiu-se com esta: "O Japão muda tanto de primeiro-ministro que a gente dá bom-dia para um e boa-noite para outro". Foi, no mínimo, uma declaração deselegante, mas a mídia internacional estendeu sobre ele o manto redentor de todas as misericórdias.

Enquanto isso, na revista Piauí (ano IV, outubro de 2009) que chegava às bancas, os assuntos eram outros, com destaque para o sociólogo Francisco de Oliveira, um dos fundadores do PT e anticandidato a reitor da USP, dizendo cobras e lagartos de Lula no artigo "O Avesso do avesso", contudo rendendo-se, ao final, ainda que indignado:

"Mas agora é tarde: Obama sentenciou que `ele é o cara´ e todo o mundo o vê assim. O lulismo é uma regressão política, a vanguarda do atraso e o atraso da vanguarda."

Em outra matéria, cujo tema é o julgamento da quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo dos Santos Costa, este comenta o português do STF:

"É uma fala assim meio complicada, fala bonita, da Europa, do século passado. Advogado de pobre fala piauiense mesmo. É nesse sentido que advogado de rico e de pobre são diferentes: o de rico é mais falado, bota sempre uma coisa internacional no meio, o sim nunca é sim, o não nunca é não."

Um dos ministros do STF, que, aliás, votou a favor do caseiro, o carioca Marco Aurélio Mello, foi arremedado pelo favorecido: "Fala com muito ch: o minichtro Palochi recebeu o echtrato e deu para a revichta."


Plural ou singular?


Temas e problemas não faltam na mídia para quem ensina a norma culta da língua portuguesa à luz de suas deslumbrantes variações.

Na escolha do Brasil para as Olimpíadas, eis outra boa amostra:

"Prefeito do Rio de Janeiro, cidade escolhida nesta sexta-feira como sede das Olimpíadas de 2016, Eduardo Paes acredita que a realização do evento daqui a sete anos iniciará um novo capítulo na história do município."

O redator usou, portanto, o plural. Mas o prefeito começou com o singular: "Estou muito feliz com a escolha. Esta Olimpíada vai ser um ponto de virada na história do Rio de Janeiro". Em seguida, optou pelo plural: "As Olimpíadas serão de todos os brasileiros".

No domingo (4/10), em entrevista a O Globo (pág. 4), ele continuou com o plural: "Tudo aquilo que se referir a gastos voltados para as Olimpíadas será lançado na internet para a prefeitura acompanhar". E voltou ao singular algumas perguntas adiante: "A prefeitura não vai ter a petulância e a arrogância de fazer a Olimpíada sozinha". E na mesma resposta voltou ao plural:

"A prefeitura precisa do governo federal e do governo estadual para fazer as Olimpíadas de maneira adequada". Retornou ao singular nesta sequência: "E a Olimpíada não pode ser um problema para a cidade". E a seguir emendou no plural: "Em razão da vitória nas Olimpíadas, a gente deve lançar um conjunto importante de mudanças".


Outros temíveis adversários


A democracia é plural. Lula não a entende assim, a não ser quando a seu favor. Por isso, estranhou tanto a troca de primeiro-ministro no Japão. Mas seu primeiro-ministro, José Dirceu, foi trocado no episódio do mensalão. E sua sucessora, Dilma Rousseff, é a candidata de Lula a sucedê-lo na presidência da República.

Assim, se tudo correr como ele quer, Dilma ganha em 2010 e, quando 2016 chegar, ele será de novo o presidente. Teremos abandonado de vez o plural.

Na mesma Piauí há uma interessante matéria de Daniela Pinheiro, com o mais sagaz perfil que alguém já fez de José Serra. O leitor poderá aprofundá-lo se ler dois textos preferidos do atual governador de São Paulo: o conto O Espelho, de Machado de Assis, e Fragmentos de um evangelho apócrifo, de Jorge Luís Borges, este último transcrito na reportagem, com a tradução de Josely Vianna Baptista.

O Brasil venceu. Contudo, mais do que vencer nas Olimpíadas, precisamos derrotar a violência, a pobreza, a doença, a corrupção e a falta de educação e de cultura, entre outros temíveis adversários.


Fonte: www.observatoriodaimprensa.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário