Com uma população de 1.533.580 habitantes (estimativa do IBGE para 2007) e apenas 34% dos seus 217 quilômetros quadrados de área atendidos por coleta de esgoto, a cidade do Recife ocupa o 55º lugar no ranking do saneamento, entre as 79 maiores cidades brasileiras. O serviço oferecido aos moradores pela Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa), quando comparado com as nove capitais da região nordestina, aparece na antepenúltima colocação. Perde, inclusive, para a capital do Estado mais pobre do Nordeste, São Luís (MA). Só está à frente de Maceió (AL) e Teresina (PI).
A avaliação, divulgada esta semana pelo Instituto Trata Brasil, Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip), reflete a falta de prioridade e de investimentos no setor, nos últimos 30 anos. Em três décadas, a Compesa só implantou uma obra de esgotamento sanitário no Recife, que custou R$ 10 milhões na época da execução, de 1995 a 1998. "Brasília Teimosa, na Zona Sul, é a única área nova que conseguimos sanear", diz o secretário de Recursos Hídricos do Estado e presidente da Compesa, João Bosco de Almeida.
Sem política pública definida para o saneamento, o resultado não poderia ser pior. A capital pernambucana chegou ao século 21 com 1.081.192 pessoas - 70% da população - que dependem de fossas sépticas, lançam dejetos nas ruas ou sacodem pacotes com fezes nos rios, prática comum aos moradores de palafitas. "Nem sempre as fossas sépticas recebem algum tipo de tratamento e, sem manutenção adequada, também contaminam o solo", alerta o presidente do Instituto Trata Brasil, Raul Pinho. A entidade tem como meta mobilizar a sociedade para garantir a universalização do saneamento no País.
Hoje, o Recife conta com 70.574 ligações de esgoto, numa rede com 409.147 metros de extensão. Atende 452.388 pessoas, o que corresponde a 30% dos moradores. O cenário não é muito diferente das primeiras décadas do século 20, quando o engenheiro sanitarista Saturnino de Brito (1864-1929) implantou o serviço de saneamento na cidade. De 1909 a 1918, ele saneou o Bairro do Recife, Santo Antônio, São José, Boa Vista, Espinheiro, Graças e Casa Forte, cobrindo 21% da área da cidade, que abrigava 238.843 moradores, em 1920.
Da herança de Saturnino de Brito até os anos 90 foram realizadas ações pontuais pelo Plano Nacional de Saneamento (Planasa) e instaladas redes coletoras em conjuntos habitacionais, que geraram uma ampliação de apenas 13% na rede. A paralisação das atividades, conforme João Bosco Almeida, está associada a três fatores: falta de recursos, ausência de políticas públicas e crises econômicas mundiais, mais especificamente a da Rússia e a do México. "Até 1996, não houve investimento em água e esgoto no Recife", comenta.
"A extinção do Banco Nacional de Habitação (BNH), que financiava moradia popular e a infraestrutura associada, e a dissolução do Planasa (1964-1985) significaram o fim da política de saneamento no Brasil. No período de 1970 a 1995 quase nada foi feito no País em saneamento", justifica João Bosco de Almeida. O motivo, diz ele, é que os Estados não podiam contrair dívidas. "Com isso, os governos e as companhias de saneamento entraram em crise." Repleta de débitos, a Compesa perdeu a capacidade de contrair empréstimos.
SOBRECARGA
O efeito prático das explicações técnicas é visto, literalmente, a olho nu nas ruas do Recife, nos esgotos estourados ou na ausência da rede coletora. As tubulações implantadas no subsolo são praticamente as mesmas adquiridas por Saturnino de Brito para uma cidade edificada com casas. Quase todas operam com sobrecarga, porque as casas são substituídas por prédios. Por sorte, o sanitarista projetou tubulações para trabalhar com muita folga.
"No passado, Saturnino de Brito previa o uso de um terço do diâmetro do tubo. Hoje, a maioria trabalha com todo o diâmetro. A sobrecarga é um problema sério e ainda não temos um estudo para resolver isso." As tubulações de cerâmica e de ferro, diz João Bosco, funcionam bem, mas é preciso recuperar a rede antiga. A Compesa calcula em R$ 100 milhões o volume necessário para recuperação e manutenção.
Fonte: Publicado no Jornal do Commercio em 17.05.2009
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