terça-feira, 11 de maio de 2010

Repercussão mal ajambrada


A entrevista do presidente Lula publicada no domingo (9/5) no importante diário espanhol El País repercutiu aqui da forma equivocada. Como sempre, aliás. No mesmo domingo, rádios e portais de notícias interpretaram uma frase do presidente fora do seu contexto.

Quando a entrevista se encaminhava para os resultados das próximas eleições, Lula fez uma candente declaração antigolpista: "Ganhe quem ganhar, ninguém fará um disparate. O povo quer seguir caminhando e não retroceder".

Foi um pronunciamento sumamente importante, dirigido sobretudo aos aloprados de todos os lados e destinado a desmentir um texto publicado na revista Movimentos, órgão oficial do PT (e comentado um dia antes no El País) onde se afirma que "o fantasma do golpe militar ainda ronda o Brasil" (ver "Una revista del partido de Lula afirma que `el fantasma del golpe militar´ aún acecha a Brasil").

Ansiosos por esquentar o noticiário do frio domingo, os plantonistas não perceberam o alcance político e democrático da afirmação de Lula e optaram por valorizar provocadoramente a sentença seguinte: "Mas deixe-me dizer que não vejo a menor possibilidade que percamos as eleições".

Direitos humanos

O texto do entrevistador, Juan Luís Cebrián, um dos fundadores do influente jornal espanhol e hoje alto dirigente da empresa que o edita, é extremamente sutil. Cita três vezes o famoso escudeiro de D. Quixote, o gozado Sancho Pança.

Ao mencionar o senso comum de Lula, compara-o com o governador da ilha da Barataria da mesma obra de Cervantes, e ainda diz que Lula assemelha-se mais à "loucura idealista" de D. Quixote. Cebrian considera as críticas de Lula a FHC como "injustas" e faz rasgados elogios ao governo do antecessor.

A entrevista teve o maior destaque (chamada na primeira página com foto e capa do caderno de "Domingo" onde se estende por quatro páginas) e contrasta visivelmente com a técnica pouco criativa do pingue-pongue, geralmente adotada na imprensa brasileira. Não é um conjunto de declarações, mas o relato de um encontro com perguntas e respostas claramente indicadas e combinadas às percepções do entrevistador.

Convém lembrar que El País elegeu Lula como "Homem do Ano" em 2009, mas logo em seguida criticou-o duramente pela sua posição na questão dos direitos humanos em Cuba. Convém lembrar também que o jornal espanhol, além de disponível na internet, tem uma edição impressa no Brasil. Neste caso, a tentação de manipular fica mais complicada.

Fonte: www.observatoriodaimprensa.com.br / Por Alberto Dines em 10/5/2010Comentário para o programa radiofônico do OI, 10/5/2010

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