sábado, 17 de abril de 2010

MST: As políticas comunicacionais do movimento

Como o MST está lidando com os desafios originados pela crescente midiatização social? Como se dá a relação entre o projeto político-comunicacional idealizado pelas suas lideranças e a prática comunicativa desenvolvida por seus militantes da base, cada vez afetados pelas lógicas da midiatização? Essas inquietações movimentam o fazer mídia pelo MST, como também a pesquisa acadêmica sobre comunicação e movimentos sociais na atualidade.

Toda tecnologia de comunicação e informação deve ser observada como potencializadora de transformações no tecido das relações sociais, na constituição dos movimentos e da conduta dos indivíduos. Por essa via, um dos problemas que preocupam os movimentos sociais – até porque tem influência direta na continuidade de suas lutas e na sua própria garantia enquanto organização – é o crescente processo de midiatização social.

Especialmente no caso do MST, devemos observar as afetações da midiatização a partir de dois movimentos diferentes, mas que se complementam. O primeiro diz respeito às afetações da mídia externa, como os ataques constantes que o MST sofre dos grandes grupos de comunicação, como a Bandeirantes e Rede Globo. Nesta perspectiva, as afetações midiáticas não dão muita folga para o MST. Ele precisa agir rapidamente, quase sempre na defensiva e sua ação midiática é mais reativa do que programática. O segundo modo de compreender as afetações da midiatização no MST é observando o desenvolvimento de seu próprio campo midiático. Então, a midiatização é mais relacional e não tanto transversal, como diz o pesquisador Antonio Fausto Neto. Nesta perspectiva, há uma folga para o MST empreender seu agir midiático, tanto no desenvolvimento de seu próprio arsenal comunicativo como nas ações mais programadas, como, por exemplo, a divulgação das marchas e outros eventos.


Os grandes desafios


Uma pergunta recorrente é se o MST se configura como um movimento midiatizado ou em processo de midiatização. Sem dúvida achar que tudo está midiatizado é reduzir a complexidade e a riqueza dos processos sociais, especialmente a dimensão criativa, bem como a incompletude da vida humana. Por outro lado, seria outro erro desconsiderar as afetações midiáticas sobre os rumos desse movimento. A criação, gestão e funcionamento das experiências comunicacionais do MST também são expressões da criatividade de sujeitos que almejam, em alguma proporção, à construção da cidadania, e não, exclusivamente, resquícios da cultura midiática. A midiatização está imbricada nisso, mas não é a medida de tudo. Na mesma direção, a natureza das ações comunicacionais do MST, na maioria das vezes, não tem a intenção de ser midiatizada e, pela impossibilidade de acesso à técnica, como, por exemplo, as manifestações comunicacionais, como as marchas e ocupações realizadas secretamente na escuridão da noite. Se definirmos qualquer manifestação comunicacional como midiatizada, corremos o risco de simplificar a existência deste movimento social somente a partir da cultura tecnológica. O MST, muitas vezes, age midiaticamente, mas não somente sob esta perspectiva. Se o MST fosse um movimento apenas midiático, os pés de laranja da Cutrale não seriam derrubados, como também as demais ações seriam melhor programadas, tendo em vista a boa imagem midiática.

Obviamente que os grandes grupos de comunicação influenciam a construção do processo comunicacional do MST, mas da mesma forma, esta mídia tradicional também é afetada pelo MST. Neste caso, há graus de afetação que variam de acordo com o veículo ou situação de comunicação. Por exemplo, muitos veículos do MST, especificamente os de massa, como o site e, cada vez mais, os vídeos produzidos para o YouTube, foram criados ou ativados a partir da necessidade de dar respostas aos ataques da grande mídia. Por outro lado, a afetação da mídia é relativa, especialmente quando tratamos de veículos desenvolvidos para ações mais pontuais. Como salienta um dos fundadores da Rádio Terra Livre FM, emissora localizada em um assentamento do MST: "Depois que conseguimos a terra, a gente não estava muito aí com o que a mídia falava de nós. Esta rádio nasceu para entreter o povo e também para ajudar a nossa cooperativa aqui nos assentamentos", relata. Há poucos dias, revisei um dos jornais do MST que irá circular pelo estado de Santa Catarina. De todo o conteúdo, apenas algumas linhas fazem crítica aos conteúdos da grande mídia. As demais matérias objetivam a publicização das conquistas do MST no estado, como também dicas sobre culinária e beleza.

Na sociedade em processos de midiatização, como pensar uma política de comunicação que contemple as inúmeras e complexas ações desenvolvidas por diversos sujeitos em praticamente todos os assentamentos do MST? Para alguns militantes do MST, ações normativas, como proposições político-documentais, podem, muitas vezes, reduzir, e não potencializar, ações comunicacionais, especialmente as protagonizadas pelo rico imaginário popular ou pelas pequenas necessidades do cotidiano. Nesta direção, identifiquei que o MST depara com a diversidade e a deslocalização de costumes e valores erigidos e operados pelos novos fluxos e fontes de informação.

Sem dúvida, essa diversificação informacional e a difusão da cultura e de mediações para além das cercas deste movimento social são os grandes desafios que o universo da midiatização impõe à construção de sua política comunicacional. Lanço a hipótese de que a própria elaboração político-documental do MST sobre a comunicação será conduzida, cada vez mais, pelo campo da experiência comunicacional, do retorno a questões do cotidiano de sua base, esta cada vez mais afetado pelas lógicas e demandas da sociedade em midiatização.

www.observatoriodaimprensa.com.br / Por Joel Felipe Guindani em 13/4/2010

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Lutar é Lei!

A Jornada Nacional de Lutas por Reforma Agrária acontece em todo o Brasil e seguirá até o final desse mês. O MST exige o assentamento das 90 mil famílias acampadas em todo o país; a atualização dos índices de produtividade; garantia de recursos para as desapropriações de terras; e investimentos públicos nos assentamentos (crédito para produção, habitação rural, educação e saúde).

Segundo a Superintendência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) de Pernambuco, 57% dos latifúndios cadastrados no órgão são IMPRODUTIVOS, o que dá um total de 411.657. Há terras improdutivas no estado, área suficiente para assentar as 23 mil famílias que vivem hoje acampadas em todo o estado. Isso sem contar as áreas devedoras da União e que desrespeitam a legislação trabalhista e ambiental, e que são, portanto, passíveis de desapropriação para Reforma Agrária, segundo a Constituição Federal. Apesar disso, em 2009 o Incra obteve apenas um imóvel, assentando míseras 70 famílias em todo o Estado.

Lutar por Reforma Agrária em todo país, especialmente no dia 17, está previsto na lei.

Nesta semana, o MST deu início a Jornada Nacional de Lutas, realizada em memória dos 19 companheiros assassinados no massacre de Eldorado dos Carajás, durante a operação da Polícia Militar, em 1996.

Das 17 mil famílias do MST que vivem em acampamentos, muitas estão acampadas há mais de cinco anos, vivendo em situação bastante difícil à beira de estradas e em áreas ocupadas, que são vítimas da violência do latifúndio e do agronegócio

Em 2002, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso assinou o decreto que transformou o dia 17 abril, data do massacre, no Dia Nacional de Luta por Reforma Agrária.

Veja abaixo o decreto.








Por: Tayse Falcão, estudante de Jornalismo, Caruaru/PE.

terça-feira, 13 de abril de 2010

MST assenta em 15 localidades de Pernambuco

Os assentamentos chegam a 15 realizados pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em Pernambuco. No último domingo, o movimento iniciou sua jornada denominada de Abril Vermelho, em protesto pela demora no processo de assentamentos das famílias rurais do Estado. Segundo o coordenador estadual do MST, Jaime Amorim, apenas 70 foram assentadas efetivamente em todo o ano passado. Ao todo, são 16 mil famílias em 163 acampamentos.

As ações ocorreram em seis cidades de todas as regiões pernambucanas, envolvendo um total de 870 famílias, segundo o MST. No Agreste e Zona da Mata, as mobilizações ocorreram no engenho Curupati, em São Lourenço da Mata, engenho Pará, em Camutanga, e na fazenda Taquari, em Passira.

Na cidade de Belém do São Francisco, no Sertão, ocorreu a maior mobilização do MST em efetivação dos assentamentos das famílias. Duas propriedades foram ocupadas, as fazendas Cacimba Nova e Aipueira. Na primeira, 110 famílias montaram acampamento e na outra mais 150. As outras ocupações ocorreram na região da fazenda Jatinã, em Itacuruba, e na fazenda Passarinho, em Ibimirim.

Durante o primeiro dia do Abril Vermelho, no domingo, os sem-terra abriram acampamento em oito outras áreas no Estado, totalizando 2.080 famílias. As ocupações das áreas devem ocorrer até o dia 17 de abril, Dia Internacional da Luta Camponesa. Nessa mesma data, há 14 anos, ocorreu o massacre de Eldorado dos Carajás, no Pará, quando 19 sem-terra foram mortos em confronto com a polícia.

Por: Tayse Falcão, estudante de Jornalismo, Caruaru/PE.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

MST ocupa engenho em São Lourenço; ocupações chegam a nove

Subiu para nove, o número de mobilizações/assentamentos que o Movimento Sem Terra (MST) realiza em Pernambuco, durante sua jornada conhecida como Abril Vermelho. O número pode subir, já que os dados da noite desse domingo (11), ainda não foram completamente atualizados.

O novo assentamento aconteceu no Engenho Curupati, em São Lourenço da Mata, pertencente à Usina Bulhões. Segundo o departamento de Comunicação do MST, o proprietário com seguranças armados fez ameaças para os manifestantes saírem, o que não aconteceu. Não houve conflito direto. Esta já é o segunda assetemanto do MST na mesma usina, nesta jornada. Em 2008, outro engenho foi assentado.

O MST espera atingir todas as regiões do Estado ainda esta semana. Segundo Jaime Amorim, as ocupações estão acontecendo sem maiores conflitos. "Estamos com dificuldades de contactar nossos companheiros no interior, mas o número certamente aumentou", disse. Esta mobilização, segundo ele, é uma resposta ao desempenho do Incra do Recife e de Petrolina em relação aos assentamentos em Pernambuco. "É o pior ano do órgão desde sua criação. Tivemos apenas 70 famílias assentadas no Estado todo e isso ajudou a aumentar a pressão de articular essa jornada no Estado todo", disse.

No próximo dia 17 deste mês, o MST fará uma mobilização no Recife para homenagear os mortos da chacina ocorrida em Eldorado dos Carajás, em 1996. Estão planejadas passeatas e comícios.

Fonte: www.jconline.com.br / Alterações feitas: Tayse Falcão. Matéria Por: Tayse Falcão

domingo, 11 de abril de 2010

MST dá início a jornada pela reforma agrária em Pernambuco

Famílias do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) assentam dois engenhos e assentam novamente outro neste domingo (11). As ações dão início à Jornada Nacional de Lutas por Reforma Agrária no Estado de Pernambuco, que acontece todo o mês de abril em memória dos 19 trabalhadores rurais sem terra assassinados no Massacre de Eldorado de Carajás, que ocorreu em 1996.

Os assentamentos aconteceram no município de Maraial, Mata Sul do Estado, onde 100 famílias assentadas o Engenho São Salvador. Em Moreno, Região Metropolitana do Recife, o Engenho Poço de Anta foi assentado e também na cidade de Tacaratu, Sertão do Estado, o assentamento aconteceu na Fazenda Salgadinho.

Em 2000, o Engenho Poço de Anta já havia sido assentados pelos Sem Terra. O massacre de Eldorado de Carajás aconteceu no dia 17 de abril. A data ficou conhecida como o Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária.


Por: Tayse Falcão

sábado, 10 de abril de 2010

Irmão gêmeo identifica corpo do presidente da Polônia

Jaroslaw Kaczynski identificou o corpo do seu irmão gêmeo e presidente da Polônia, Lech Kaczynski, uma das vítimas da queda do Tupolev presidencial que matou outras 97 pessoas neste sábado (10) na Rússia, segundo informou a agência de notícias russa RIA Novosti que citou um legislador polonês.

Kaczynski viajou para Smolensk - localizada perto da fronteira com a Bielo-Rússia - para visitar o local do acidente junto como o primeiro-ministro da Polônia, Donald Tusk. O primeiro-ministro da Rússia, Vladimir Putin, que assumiu o comando das investigações do acidente aéreo, se juntou a Tusk para examinar o local e deixar flores nas ferragens do avião, segundo a RIA Novosti. Os dois chefes de governo se abraçaram e se juntaram às equipes de busca que ainda trabalhavam no local.

Turk e Jaroslaw Kaczynski voaram para a cidade de Vitebsk, na Bielo-Rússia, e chegaram a Smolensk de carro.

Segundo um correspondente da AFP, os corpos do presidente da Polônia, Lech Kaczynski, sua esposa, Maria Kaczynska, e sua comitiva de alto escalão já foram transferidos para o aeroporto Domodedovo, em Moscou.

O Ministério de Emergência da Rússia informou que 97 pessoas morreram no acidente aéreo, sendo que 88 delas eram membros da delegação polonesa. No entanto, o Ministério de Relações Exteriores da Polônia disse que a lista de passageiros tinha 89 nomes, mas uma pessoa não apareceu para tomar o voo de quase uma hora a partir do principal aeroporto de Varsóvia.

O Tupolev caiu a cerca de um quilômetro do aeroporto militar Smolensk-Severnuy, durante sua quarta tentativa de aterrissar em meio a um intenso nevoeiro. Segundo o governador da região de Smolensk, Sergei Antufiev, o avião "esbarrou no topo de árvores, bateu e quebrou-se em pedaços".

A agência de notícias oficial da Rússia, RIA-Novosti, disse que as indicações preliminares são de que o acidente foi causado por erro dos pilotos. Ambas as caixas pretas do Tupolev foram encontradas.

O avião da presidência da Polônia passou por uma completa revisão em dezembro na Rússia. Foram feitos reparos nos três motores do avião, equipamento de navegação, atualização eletrônica e do interior do avião. Segundo o diretor da unidade de manutenção Aviakor, o avião estava em plenas condições de uso.

Fonte: Agência Estado

Período de estágio pode somar tempo para se aposentar

Vida de estagiário é sempre muito durona, não? Trabalha-se bastante, quase sempre com a mesma carga horário de um profissional, mas ganha-se pouco. Em vez de ser um “aprendiz”, o estagiário acaba sendo tratado como mão de obra barata. E há casos em que eles até mesmo exercem suas funções com horários e obrigações a cumprir, mas não recebem remuneração alguma.

Isso tudo até poderia ser tolerado e até vantajoso para o estudante se, mesmo não ganhando dinheiro, ele ganhasse, além do aprendizado, um algo mais. E esse algo mais pode estar às portas. Uma decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), que atende São Paulo e Mato Grosso do Sul, determinou que o período trabalhado por um segurado como estagiário fosse considerado como tempo de contribuição para o INSS, independentemente do recolhimento das contribuições previdenciárias.

Para a Justiça, o estágio tem vínculo de emprego principalmente quando a atividade do estagiário não tem relação com os seus estudos.


No entendimento do juiz, o estágio desse segurado, que durou um ano e sete meses, não tinha como objetivo principal a aprendizagem, e a atividade que ele exercia não exigia treinamento específico. Ou seja, ele trabalhava como mão de obra barata, como eu descrevi no início deste texto. A sentença, então, afirma que o estágio foi “exercido sob condições caracterizadas de vínculo empregatício” e, portanto, deve ser levado em conta pelo INSS na forma de calcular a aposentadoria.

"Para a Justiça, o estágio tem vínculo de emprego principalmente quando a atividade realizada pelo estagiário não tem relação com os seus estudos, já que o estágio, de acordo com a definição da lei, “é um ato educativo”."

Casos como o do segurado que venceu a ação, para fazer valer a mesma decisão, é preciso reunir testemunhas que afirmem que o estagiário tinha funções não-educativas e ainda documentos que confirmem isso, como bilhetes, e-mails e talvez até uma carta de apresentação escrita pelo chefe que mencione as atividades que o estudante desenvolve.

Atualmente, o INSS não considera os anos de estágio para tempo de contribuição, a menos que o estudante decida pagar as contribuições previdenciárias na categoria de segurado facultativo.


Fonte: www.jconline.com.br

quinta-feira, 8 de abril de 2010

MST: "Nem demônio, nem anjo, mas ator social"

A técnica de discurso doutrinário, particularmente usada em situações históricas onde grupos de poder precisam de forte respaldo popular para seus projetos próprios, centra-se na repetição de "verdades" - verdades mesmo, verdades aumentadas ou simplesmente mentiras - que respaldem ideologicamente não apenas esses setores, mas convençam a um maior número de pessoas de que são verdades únicas, contra as quais não existe argumento racional. Essas verdades têm que ser apresentadas como dogmas, sob pena de não parecerem "a" verdade. Isso é muito usado eleitoralmente, mas não apenas nesses momentos em que o convencimento de parcelas majoritárias da população pode se converter em votos que respaldarão democraticamente um projeto de poder. Ela se incorpora à própria vida social quando o que está em jogo é uma disputa pela hegemonia.

O livro "Combatendo a desigualdade social: o MST e a reforma agrária no Brasil", organizado por Miguel Carter - mexicano criado no Paraguai - professor da School of International Service da American University, em Washington DC, coloca em perspectiva o senso comum criado em torno do MST.

Primeiramente, ele propõe que se deixe de lado dois exageros: da direita, que, no limite, equipara o movimento pela reforma agrária ao terrorismo; e o de esquerda, que o romantiza, superestimando a sua influência. Na introdução ao livro, que traz 16 artigos de autores variados, Carter relativiza uma e outra posição. O MST é um movimento complexo e duradouro, mas é uma "associação de pessoas pobres", "opera com recursos limitados" e é susceptível a problemas de ação coletiva como qualquer outro movimento social. Não agrega mais do que 1% da população, nem chega a 5% da população rural. Não é bandido e não é mocinho: apenas um ator social sujeito a erros, mas que representa setores sociais expostos à miséria e vitimados por uma das piores distribuições de renda do mundo.

O MST tem dois grandes méritos históricos, segundo o autor: o de expor e desafiar enormes desigualdades de renda e fundiária do Brasil, internamente; e, externamente, de ter recolocado na agenda internacional a reforma agrária, depois da hibernação do tema no período pós-anos 80, quando a forte urbanização do Terceiro Mundo, o avanço tecnológico agrícola e a ascensão do neoliberalismo começaram a questionar fortemente a reforma agrária como política pública. E a forte reação interna de determinados setores sociais ao movimento responde muito mais ao que o MST expõe - um país com uma imensa concentração de renda e fundiária - do que propriamente pelo risco "revolucionário" que representa.

O movimento, de fato, tem um elevado grau de sofisticação de organização popular, registra Carter: estima-se "1,14 milhão de membros, mais de 2 mil assentamentos agrícolas, cerca de 1.800 escolas primárias e secundárias e uma escola de ensino superior, vários meios de comunicação, 161 cooperativas rurais e 140 agroindústrias". Entre 1985 e 2006, conseguiu assentar seus integrantes em 3,7 milhões de hectares. Mas, embora o mais visível e organizado movimento pela reforma agrária - até 2006, tinha mais de um quarto dos 7.611 assentamentos do país -, não mantém a mesma proporção de participação na terra distribuída pelos governos. Segundo o organizador do livro, mais de 90% da terra distribuída entre 1979 e 2006 responderam a reivindicações de outros movimentos de sem-terras.

O outro mito seria o de negação do Estado pelo MST. As reformas agrárias, por definição, "implicam o envolvimento do Estado na reestruturação de relações de direito de propriedade". Sem o Estado, isso só acontece em situações de guerra - mas, mesmo nessas ocasiões, o Estado deve sancionar o resultado da disputa. Também não existe reforma agrária se não houver demanda social por distribuição fundiária. Carter sugere que a execução de reformas agrárias acabem se constituindo numa articulação de impulsos do Estado - que sanciona - e da sociedade - que demanda. No caso do MST, o movimento articula as duas faces da reforma: as marchas e invasões normalmente são apenas um lado da mobilização, que se completa - e concretiza a reforma agrária - com a negociação com o Estado.

Outro dado que relativiza o poder de interferência na vida institucional do país, reproduzido pelo autor, é o de sua representação política, em relação à dos grandes proprietários rurais e do agronegócio. Segundo ele, de 1995 a 2006, a representação política média dos camponeses sem-terra e agricultores familiares foi de um deputado federal por 612 mil famílias. Os grandes proprietários rurais fizeram um deputado federal para cada 236 famílias - tiveram, portanto, uma representação parlamentar 2.587 maior que a dos sem-terra. Essa distorção decorre de uma precariedade de direitos políticos entre os pobres - a negação do direito do voto aos analfabetos até 1985, o clientelismo político, a prática de compra de votos e distorções de representação. O maior acesso dos latifundiários ao poder político resultou em acesso correspondente ao orçamento público: para cada dólar disponibilizado de dinheiro público aos sem-terra, foram liberados US$ 1.587 dólares para os maiores fazendeiros do país.

A realidade que se esconde nas amplificações do "perigo" do MST não é boa para o processo civilizatório brasileiro. Mesmo andando nos governos FHC e Lula - de forma "reativa, restrita e de execução morosa" - , a reforma agrária brasileira é, em termos proporcionais, uma das menores de toda a América Larina. A reforma feita entre 1985 e 2006 situa o Brasil no 15º lugar no Índice de Reforma Agrária da América Latina, dois lugares antes do último colocado. Um por cento dos proprietários rurais controla 45% de todas as terras cultiváveis do país, e 37% dos proprietários rurais possuem apenas 1% dessas terras (números de 2005 do Ipea).

Publicado originalmente no jornal Valor Econômico em 8/4/2010.


Fonte: www.mst.org.br / Por Maria Inês Nassif

O toque humano da cobertura

Em 2010 um Boeing caiu no Brasil. Em menos de 90 dias, ao menos sete cidades brasileiras enfrentaram – e algumas ainda enfrentam – a resposta dura e seca da Natureza para com o descaso, a omissão e a negligência de governantes de todos os matizes políticos e vertentes ideológicas. Mais de 330 brasileiros e brasileiras, crianças, jovens, adultos e idosos morreram soterrados por entre lajes de cimento e incúria e carradas de terra e vista grossa de nosso Brasil que, no palco da cena internacional, traz para si o almejado anseio de sediar a Copa do Mundo de Futebol em 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016 e, no palco doméstico, começa a se dar conta de nossa incapacidade de proteger o que temos de melhor: nós, o povo.

São Paulo, São Luiz do Paraitinga, Angra dos Reis, Niterói, São Gonçalo, Rio de Janeiro. Alguns nomes do paradeiro de nossos infelizes passageiros do Boeing. Cidades com a alma fraturada e as vísceras expostas em redes de saneamento e esgotos precários, em bueiros sempre sem suas tampas e atravancados por lixo em profusão. Cidades que obrigaram parte de seus moradores, os do andar de baixo – aqueles de baixíssimo poder aquisitivo, que sobrevivem em condições desumanas, que mantém empregos informais e que trafegam pelas cidades como pingentes em trens apinhados vindos de subúrbios – a construir suas casas nas encostas dos morros, verdadeiros rochedos encobertos por frágil e insustentável vegetação, incapazes de absorver o dilúvio do céu precipitado.

Parece-me que a história das chuvas de Ranchipur passou a ser contada a partir de São Paulo na abertura deste ano novo e agora, qual circo mambembe trágico, muda sua locação para a cidade do Rio de Janeiro. Mesmo morando em Brasília, sentia a alma molhada pelas chuvas do Rio. Estava dentro dos ônibus encalhados nas proximidades da Lagoa Rodrigo de Freitas, escapei por pouco de novo desabamento no Morro 340, nas cercanias de Niterói, escutei a dor lancinante do jovem de 23 anos que acabara de constatar estar sozinho no mundo: as águas deslizaram pela encosta do Morro do Estádio e tragaram em sua fúria as vidas de sua mulher e de seu filho de 4 anos. Ainda em Brasília conseguia ouvir vozes anônimas e aflitas repetindo como mantra indiano: "Tá tudo alagado, tá tudo inundado. Tudo parado. A cidade acabou".


Pessoas vivas


Eu que sempre critico o que me parece errado ou torpe, infame ou desastrado, negligente ou omisso por parte dos meios de comunicação, eis-me aqui dizendo contrito que as Organizações Globo estão realizando um trabalho magistral de cobertura radiofônica e televisiva. Até os comentários da douta Lúcia Hippolito caíram bem, mostraram sensatez, afastaram-se do rame-rame do partidarismo explícito. O circunspecto e ainda assim afável Carlos Alberto Sardenberg mostrou sua humanidade em comentário bem dosado, vestido com roupa de gala da humanidade que nele aflora.

Foi na rádio CBN que escutei o alcaide carioca Eduardo Paes tranqüilizando a população, ordenando a vida da sociedade, repetindo com voz rouquenha o conselho que a população deve se abster de sair às ruas, que as escolas públicas estarão fechadas e os alunos deverão permanecer na segurança de suas casas. E pensei comigo, como que atingido por um raio: como é bom viver em uma cidade que não é administrada através do twitter, com suas mensagens secas, pingadas em 140 caracteres, mas transmitidas de dentro do aconchego do lar, próximo à cama quente e ao convidativo travesseiro. Como é bom conferir autoridade a quem autoridade tem para nos pedir que os meus e os seus se protejam das chuvas fazendo um feriado particular em nossa vizinhança.

O Jornal Nacional de terça-feira (6/4) entra para a história como exemplo de telejornal a serviço da população e da informação, a serviço dos melhores interesses da população afetada no estado do Rio de Janeiro. Havia humanidade em toda a cobertura. E comedimento, emoção, objetividade. O foco era promover o bem-estar da população e sua tranqüilidade. Haverá outro objetivo maior para um telejornal?

Diferentemente de outros desastres aéreos, aqui não se busca por caixas pretas nem por restos de aeronave. Aqui se busca por pessoas vivas e as ações de resgate querem atingir o que de mais valioso temos – a solidariedade e a união dos membros da nossa espécie. Afinal, um destino comum é o que temos a partilhar. E não há chuva que nos impeça disto.



Fonte: www.observatoriodaimprensa.com.br / Por Washington Araújo em 8/4/2010

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Uma tragédia para todos

Comentário para o programa radiofônico do OI, 7/4/2010

Praticamente todos os meios de comunicação brasileiros se dedicaram, em alguma medida, a cobrir a tragédia provocada pelas chuvas no Rio de Janeiro.

Emissoras de rádio e televisão passaram toda a tarde de segunda-feira (5/4) e o dia inteiro da terça informando quase ininterruptamente sobre os casos de deslizamentos e enchentes que se sucediam.

Os efeitos do temporal invadiram também a internet, e as redes sociais logo se integraram na ampla malha de informações e comentários de todos os tipos.

Não faltaram os insensatos de sempre, que aproveitaram o acontecimento para fazer humor de mau gosto e misturar a tragédia com a política.

Na manhã de quarta-feira (7), outra observação: a imprensa de papel já não consegue se aproximar da dinâmica dos fatos. Ainda assim, os profissionais destacados para pisar na lama e molhar as pernas extrapolam suas possibilidades.


Mortos e desabrigados

A despeito da grande qualidade técnica e jornalística das fotografias, não há como competir com imagens em movimento, feitas ao vivo no fragor dos acontecimentos, e que podem ser arquivadas e revistas a qualquer instante.

Mesmo com essas desvantagens, os fotógrafos dos principais jornais brasileiros conseguem apresentar a seus leitores, nas edições de papel, registros dramáticos do sofrimento que se abateu sobre o Rio de Janeiro.

Segundo as contagens mais atualizadas que chegaram às redações, são 103 mortos, mais de 1700 pessoas estão fora de suas casas, sendo que grande parte delas não terá casa para voltar.


Riscos iminentes

Não foi a maior tragédia do tipo a atingir a antiga capital federal: em 1966, segundo registram os jornais, houve 250 mortes e 50 mil ficaram desabrigados após 24 horas de chuva. Em 1988, 15 dias de chuvas fortes e contínuas deixaram 570 mortos.

Mas a tragédia do século 21 é mostrada ao vivo, através de câmaras digitais que logo inserem as imagens na internet, e os dramas de cada um se transportam para toda a população.

O risco é o de que o excesso de imagens produza a banalização da tragédia. E que a ocupação de áreas de risco recomece na primeira estiagem.



Fonte: www.observatoriodaimprensa.com.br / Por Luciano Martins Costa em 7/4/2010