terça-feira, 30 de junho de 2009

Quem contrataria Gilmar Mendes para dirigir um jornal?

Por Alberto Dines em 30/6/2009


Mesmo os inimigos do ministro-presidente do STF Gilmar Mendes são obrigados a reconhecer o seu vasto saber jurídico, sua cultura, sua capacidade de expressar-se com tanta clareza e elegância como também seu conhecimento do idioma alemão.

Diante da sua obsessão em demonstrar que o jornalismo não é uma profissão e, portanto, não precisa ser regulamentado, este Observador sente a necessidade de repetir, ampliar e reformular a pergunta dirigida ao professor e ex-ombudsman da Folha e do iG Mario Vitor Santos na edição da semana passada (23/6) do Observatório da Imprensa na TV:


– Você contrataria o presidente do STF para dirigir o seu jornal?


Sua Excelência certamente perdoará a provocação cuja única finalidade é oxigenar e animar um debate que ao longo dos últimos 24 anos serviu para vocalizar apenas um lado da questão – o dos empresários.


A querela a respeito do diploma, ou melhor, do fim da obrigatoriedade do diploma para o exercício do jornalismo, é secundária. Outra deve antecedê-la: jornalismo é profissão, ocupação, ofício, ferramenta de trabalho? Ou, além disso, também é missão, tal como a de um magistrado, treinado para destrinchar a dialética dos códigos, administrar a justiça e ser justo?


Ensinar e aprender


Este Observador jamais contrataria o ministro Gilmar Mendes para dirigir qualquer veículo jornalístico apesar do seu imbatível curriculum jurídico. Mas entregaria o seu hipotético jornal a um profissional diplomado em jornalismo, de preferência com uma pós-graduação profissionalizante, pelo menos 25 anos de experiência em redações e, principalmente, capacitado para assumir o papel de mediador, questionador e agente das transformações.


No seu arrazoado contra o diploma e contra a especificidade da profissão de jornalista, o ministro Gilmar Mendes esquece o seu notório domínio do idioma alemão. Não lembrou que Zeitung, jornal, deriva da raiz Zeit, tempo. Jornalismo em português ou Journalisme em francês (de Jour, dia, jornada) são atividades cruciais numa sociedade porque lidam com a passagem do Tempo. Uma sociedade desatenta para as inevitáveis mudanças está perdida, torna-se apática ou desarvorada.


Jornalistas marcam o tempo, verdadeiros ritmistas, mas ao contrário dos relojoeiros lidam com um tempo que não jorra contínuo. O tempo jornalístico é periódico, marcado pelas sucessivas edições, condicionado para a complexa tarefa de sintetizar o acontecido no período (daí periodismo em espanhol).


Passar ao leitor a sensação de que é testemunha e participante de um amplo processo exige conhecimentos teóricos, técnicos e também uma disposição instintiva para pressentir o que é novo e o que importa. Escritores raramente retomam seus textos depois de impressos. O ponto final é ponto final mesmo.


Jornalistas são treinados para a infindável tarefa de reescrever-se continuamente. Este treinamento começa nos bancos das escolas de jornalismo. Nas redações não há tempo para filosofar. Nem há tempo para olhar-se no espelho e reclamar. O mundo para os jornalistas é verdadeiramente redondo, rotativo, rotativa.


É a tal unendliche Aufgabe (tarefa infindável), ministro Gilmar Mendes, citada por Kant. Esta tarefa não é para qualquer um. Não é fruto de um estalo, golpe de sorte – precisa ser ensinada e aprendida. A perseguição contínua de uma tarefa é em si, uma atitude claramente profissional.


Obra de jornalistas


O relatório do ministro Gilmar Mendes estende-se por 91 páginas sobre a profissão de jornalista e, mesmo sintetizado, jamais seria entendido pelos leitores de jornal, mesmo de um quality paper. Há nele uma ironia que roça à presunção. É um antijornalismo em estado primitivo. Ao comparar jornalistas aos chefes de cozinha o ministro Mendes tenta fazer blague. Nós jornalistas não gozamos as togas usadas nos tribunais, nem mesmo as ridículas perucas dos magistrados britânicos. Respeitamos as tradições, somos os primeiros a perceber quando se tornam obsoletas.



O ministro, porém, ignora que sem jornalismo e sem jornalistas os historiadores teriam que inventar fatos. Ou contentar-se com documentos áridos, insossos, muitas vezes truncados e às vezes manipulados para parecerem verdadeiros. A história moderna, a crônica dos últimos 400 anos, deve muito aos profissionais do jornalismo.


Uma hemeroteca, Excelência, é o panteão da humanidade. Obra construída majoritariamente por jornalistas. Este Observador não contrataria um advogado ou mesmo um jurista renomado para montar uma coleção de jornais. Nem mesmo para editá-los.


Fonte: www.observatoriodaimprensa.com.br

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Ferramenta e o ofício

Por Alberto Dines em 29/6/2009

Comentário para o programa radiofônico do OI, 29/6/2009



Jornais e revistas continuaram fixados durante o fim de semana no papel desempenhado pela mídia digital na convocação dos protestos populares contra a reeleição de Mahmoud Ahmadinejad, em Teerã.



A insistência em designar a inédita mobilização contra os aiatolás como "jornalismo participativo" ou "jornalismo-cidadão" soa exagerada. Há nestas designações uma velada insinuação de que o jornalismo do futuro prescindirá de jornalistas e que, portanto, a extinção da obrigatoriedade do diploma para o exercício do jornalismo decidida pelo Supremo Tribunal Federal em 17 de junho foi acertada e premonitória.


O povo de Teerã está sendo convocado para divulgar os protestos através dos seus celulares e laptops e, quando acontecem, registrar a violenta repressão. A imprensa está censurada, rádios e TVs são estatais, a comunicação faz-se através dos recursos disponíveis – poderiam ser volantes distribuídos manualmente, por telefone convencional ou no grito.


A busca do sentido



Uma coisa é convocar a sociedade e divulgar palavras de ordem – neste ponto a mídia digital é imbatível –, outra coisa é reportar, narrar acontecimentos, fornecer os dados complementares, dar sentido às diferentes ocorrências e, sobretudo, checar as informações. Isto só pode ser feito por profissionais da informação, devidamente motivados e treinados não apenas para atender às premências do tempo como também aos princípios éticos que regem uma atividade crucial.



Mais uma vez confunde-se a ferramenta com o ofício. Os novos recursos tecnológicos isoladamente não constituem uma nova atividade, devem servir ao velho jornalismo que além de profissão é também missão, serviço público. E missões precisam ser devidamente explicadas, sistematizadas e reguladas para evitar abusos e distorções.



Com um celular na mão é possível flagrar um episódio. Para que este episódio seja somado a outros e faça algum sentido é preciso muito mais. O diploma não garante a qualidade da informação obtida pelo jornalista, mas o ajuda a aferrar-se a ela.


Fonte: www.observatoriodaimprensa.com.br

domingo, 28 de junho de 2009

O que parece e o que pode ser

Postado por Luiz Weis em 27/6/2009 às 3:24:45 PM


Então foi um site de fofocas o primeiro a noticiar a morte de Michael Jackson. Até isso está sendo usado como indício de que o enterro da imprensa tradicional é só uma questão de (pouco) tempo.
Quando e se isso acontecer, se a mídia nova não fizer o que o jornalismo de qualidade se propõe a fazer, o mundo poderá até saber em primeira mão pela internet de notícias portentosas como aquela, mas nem por isso estará mais apto a entender as forças e os processos que o levam a girar em um ou outro sentido.
O velho Marx – ou terá sido o jovem? – dizia que se a aparência e a essência dos fatos fossem idênticas a ciência seria desnecessária.
O jornalismo também. Pelo menos aquele jornalismo que, embora sem a pretensão de ser uma atividade científica, e oferecendo verdades ainda mais provisórias que as dela, procura descobrir e apontar as diferenças entre o que parece e o que é, ou pode ser.
E é a partir da apresentação dessas diferenças que a informação jornalística cumpre a sua função socialmente mais decisiva – a de apetrechar as populações para a prática da democracia, o que começa pelo policiamento dos governos.
Foi o que disse, de maneira um tanto arrevesada, um dos mais contumazes críticos da mídia brasileira, o presidente Lula:
“O exercício da democracia feito pela imprensa é possivelmente o maior sustentáculo para que a gente continue errando, sendo criticado e consertando os erros.”
Uma das principais dúvidas que os novos espaços abertos para o jornalismo põem na ordem do dia tem a ver com o seu potencial para se equiparar ou superar a imprensa em papel nesse exercício. Se o retrospecto serve de alguma coisa, é improvável que o rádio a TV – com todo o seu impacto provocado pela apreensão instantânea da realidade – dariam conta do recado se não existissem os jornais e revistas que nela mergulham à cata daquilo que sons e imagens dificilmente transmitem: a essência dos acontecimentos.
Não se trata de um problema de técnica jornalística. Mas do condicionamento que cada meio de comunicação impõe, até por sua natureza, ao que entendemos por jornalismo, com base na tradição da imprensa escrita. Trata-se, portanto, dos limites à percepção e avaliação dos fatos pelo público, conforme a plataforma em que aparecem.
O debate em torno disso, embora menos ruidoso do que o movimento das pás que escavam o terreno onde se diz que a imprensa tradicional será enterrada, pode ajudar muito mais o jornalismo que pretende sucedê-la do que o deslumbramento com cada nova proeza da nova modalidade.

DESCULPA MANJADA Outra pandemia: culpar a mídia

Por Alberto Dines em 28/6/2009
Reproduzido do Último Segundo, 26/6/2009

Veloz, solerte, letal. Cometido o delito, antes mesmo de esboçar uma estratégia de defesa, os denunciados e encurralados estão aprendendo a servir-se de um recurso mais moderno do que a velha máscara da inocência: acusam a imprensa.
Consideram mais eficaz desqualificar os meios de comunicação num mundo cada vez mais dependente deles do que rebater acusações. O bode expiatório antimidiático está sendo utilizado neste momento em diferentes quadrantes e a mesma intensidade: no Brasil o agente viral é o senador José Sarney e seu dileto advogado de defesa, o presidente Lula, ambos empenhados em minimizar o turbilhão de escândalos que envolve há cinco meses a figura do ex-presidente da República e tripresidente da Câmara Alta.
No Irã, são os aiatolás que não reconhecem a fraude a favor do seu candidato Mahmoud Ahmadinejad e culpam a imprensa internacional pela rebelião popular que tomou conta das ruas de Teerã. Na Itália, flagrado numa bacanal, o primeiro-ministro Silvio Berlusconi acusa a mídia européia de esquerdista e conspirar para derrubá-lo.
Desgastado pelo fracasso do socialismo bolivariano, o venezuelano Hugo Chávez tenta liquidar o que restou da imprensa livre no seu país, especialmente a emissora Globovisión. E na Argentina, assustada com um possível avanço da oposição nas eleições legislativas de domingo (28/6), a dupla presidencial Kirchner ameaça enviar ao Congresso o projeto de uma nova lei de audiovisual.
Mimos aos congressistas
Os afetados pela pandemia exibem sintomas comuns – abominam a alternância no poder, só gostam da democracia quando as urnas lhes são simpáticas, só lêem jornais que os elogiam. As diferenças não são apenas geográficas. Algumas vítimas do furor antimídia são eles próprios barões da mídia. Caso de Berlusconi, que além de controlar os canais estatais da Itália é dono de um poderoso conglomerado multimídia que o torna virtual senhor da opinião pública.
Quando se sentiu obrigado a defender-se publicamente, Sarney foi à tribuna do Senado para atacar "grupos econômicos e a mídia radical". A precária acusação não faz justiça ao notório saber do político maranhense. Grupos econômicos jamais se aliariam à mídia radical. Quem o fustiga, mais encarniçado, é o Estado de S.Paulo, seguido do Globo, ambos mais conservadores do que extremados. Mesmo a Folha de S.Paulo (onde o imortal romancista publica há duas décadas suas platitudes semanais), não cabe no figurino do irredentismo.
Sarney goza de um poderoso salvo-conduto midiático: quando envergou a faixa presidencial, depois da tragédia que se abateu sobre Tancredo Neves, tentou obsessivamente acrescentar mais um ano ao seu mandato. Para isso, encarregou o então ministro das Comunicações Antonio Carlos Magalhães de fazer uma farta distribuição de mimos aos congressistas. Assim nasceu a aberração que desqualifica tanto o Congresso como nossa mídia eletrônica ao converter quase duas centenas de parlamentares em concessionários de canais de rádio e TV. Seriam eles os radicais que o atazanam?
Vacina infalível
Dono de um conglomerado de mídia no seu estado, além de colunista da Folha, Sarney já tentou usar o jornalismo para alavancar a carreira política. Em 1962, algum radical descobriu a manobra e demitiu-o do cargo de correspondente do Jornal do Brasil em São Luis (MA).
Imperioso reconhecer que a mídia contemporânea enfrenta em diferentes esferas sérios problemas existenciais que a fragilizam e a tornam vulnerável aos surtos viróticos. A pandemia antimidiática não grassa em ambientes arejados, pluralistas, onde o jornalismo, além de profissão é também encarado como missão. Vacina infalível para qualquer pandemia autoritária.
Fonte: http://www.observatoriodaimprensa.com.br

sábado, 27 de junho de 2009

ENTREVISTA / LUIZA ERUNDINA “Congresso dá concessões às escuras”

Por Rodolfo Torres em 27/6/2009
Reproduzido do Congresso em Foco, 26/6/2009

No terceiro mandato consecutivo, a deputada Luiza Erundina (PSB-SP) tornou-se uma das principais referências da Câmara no debate sobre a comunicação social. O diagnóstico da ex-prefeita de São Paulo sobre o assunto é desolador: o Congresso se omite do papel de fiscalizar os processos de concessão e renovação das emissoras de rádio e TV e favorece grupos políticos e conglomerados de radiodifusão.
Segundo ela, os parlamentares aprovam as concessões e renovações às escuras, sem observar o cumprimento dos requisitos legais mínimos, como o desempenho de sua função social, e legislam muitas vezes em causa própria.
"O máximo que se consegue fazer é verificar o quanto os documentos, apresentados ao se requerer uma renovação de uma concessão, estão de acordo com as exigências formais, legais. É uma formalidade", afirma. "São quatro, cinco grupos que detêm o oligopólio dessas concessões, com, evidentemente, a leniência e a conivência de quem concede, ou permite, ou fecha os olhos a essa concentração fantástica de controle sobre os meios de comunicação.
No ano passado, Erundina comandou uma subcomissão instalada na Comissão de Ciência e Tecnologia que propôs mudanças nos processos de concessão das outorgas de rádio e TV. Das discussões surgiu uma proposta de emenda constitucional (PEC) que proíbe expressamente parlamentares de serem donos de empresas de radiodifusão.
"Lei não é taxativa"

De acordo com levantamento da Transparência Brasil, 29 senadores (36% do total de 81) e 62 deputados (12% do total de 513) têm concessões de rádio e TV. A maioria deles alega que a Constituição não é taxativa quanto à proibição. "Não se tem consciência de que isso é um patrimônio da sociedade. E é o Estado, em nome da sociedade, que confere ou não essas outorgas e essas renovações de concessões. Então, há um déficit de consciência política a respeito do tema na sociedade", critica a deputada.
Com trajetória política ligada aos movimentos sociais, Erundina atribui à democratização dos meios de comunicação poder maior de transformar a sociedade do que a reforma agrária. "No dia que se fizer esse processo de democratização e de controle da sociedade sobre esses meios, nós teremos condições políticas de fazer a reforma agrária e qualquer outra reforma que se precisa fazer neste país", defende.
Na entrevista a seguir, Erundina classifica como "absurda" a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de derrubar a exigência do diploma para exercício do jornalismo e condena o que ela chama de "ditadura" dos líderes partidários e da Mesa Diretora. Na avaliação dela, a crise que atinge o Congresso este ano reproduz uma crise da democracia participativa e direta.
***

No ano passado, a senhora comandou uma sub-relatoria da Comissão de Ciência e Tecnologia que tinha como propósito costurar uma proposta que proibia taxativamente parlamentares de serem concessionários de empresas de rádio e TV. No que deu esse trabalho?

Luiza Erundina – Era para discutir e aperfeiçoar a questão dos procedimentos de outorga e renovação de concessões e tornar mais objetiva a condição do parlamentar dar parecer a respeito de renovação ou não das concessões. O que me incomodava desde o início do meu trabalho nessa comissão era ter de dar parecer sem condições objetivas de aferir o mérito de um pedido de concessão ou de renovação de concessão. A comissão e o deputado não têm condições de aferir "in loco" sequer se as exigências legais estão sendo cumpridas. E, a partir daí, eu comecei a questionar que não era correto estarmos dando pareceres no escuro. E, no final de 2006, conseguimos aprovar a criação de uma subcomissão. Mas ela só funcionou em 2007, depois de muita resistência do ministério e de outros setores que não tinham interesse em enfrentar esse debate. E aí, em 2008, nós conseguimos instalar essa subcomissão, fizemos mais de 20 audiências públicas, tratando de todas as questões, de todo o marco legal que está obsoleto. Do próprio Código Brasileiro de Telecomunicações, que é de 1962, à Constituição de 1988, que avançou de forma significativa em seus artigos 220 e 224, repassando todos os temas relacionados à questão do sistema de comunicação social. E que até hoje não foram regulamentados, embora alguns sejam auto-aplicáveis, mas mesmo assim não foram regulamentados. E a questão do Artigo 54, da Constituição, que é o que proíbe que detentores de cargos públicos, de mandatos, tenham concessão de rádio e TV.
Quantos são os detentores de cargos públicos que têm concessão de rádio e TV?
L.E. – Hoje eu não saberia te dizer, porque todo dia eles obtêm novas concessões. São dezenas de deputados e senadores que há muitos anos detêm concessões. É tradicional.
A senhora falou de "pareceres no escuro". E hoje? As concessões ainda são "no escuro"?
L.E. – São, porque não temos condições de aferir. Nós também introduzimos alguns mecanismos de transparência e controle no ato normativo, que estava vigendo há mais de dez anos. Por exemplo, um sistema informatizado que quem acessar esse programa pode saber quem recebeu a outorga, há quanto tempo, quantas outorgas estão vencidas, quem são seus proprietários. Antes nem se tinha isso. E, a partir desse ato normativo, a gente conseguiu que se desse maior transparência, não é total transparência, em relação ao que tinha antes. E temos um grau menor de erros sobre esses pareceres porque o sistema é centralizado. O próprio ministério é altamente centralizado. A gestão da política pública de comunicação não é descentralizada. Havia órgãos regionais, que depois acabaram. Ficou tudo centralizado no ministério, que não tem estrutura para dar conta da fiscalização. A Anatel só fiscaliza parte do espectro eletromagnético. A radiodifusão não tem a necessária fiscalização... Então, nós já detectamos todo esse vazio legal. Essas foram as conclusões. Fizemos um relatório completo com o diagnóstico de todo esse sistema, pegando onde estão as falhas, qual o caminho para se resolver, etc. E colocamos, inclusive, anteprojetos de lei para corrigir distorções ou vazios, inclusive uma proposta de emenda à Constituição para dar maior clareza ao Artigo 54, para que não haja possibilidade de interpretação como eles dão, para justificar que detentores de cargo continuem tendo ações, direção, ou a outorga mesmo desses veículos de comunicação.
Como atua o lobby, dentro do Congresso Nacional, dos grandes grupos de comunicação?
L.E. – Eles têm seus assessores parlamentares muito bem preparados, muito atentos, e acompanhando permanentemente a atuação do Congresso, da Câmara e das comissões. E a composição das comissões... Não é só da Comissão de Comunicação. Todas as comissões temáticas da Casa têm um viés muito orientado a um interesse corporativo de determinados setores. Você vai na saúde, tem o setor que atua nesse área. Não é diferente na Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática... Que é onde os grandes grupos atuam no sistema de comunicação social, de massa, radiodifusão, telefonia... E há uma contradição de interesses. Por exemplo, a convergência que ainda não foi regulamentada. Como administrar a convergência tecnológica? Essas questão todas estão em aberto do ponto de vista formal, legal. E precisa se enfrentar isso, seja suprindo as lacunas que existem na atual legislação, seja criando novas legislações para dar conta das inovações que foram surgindo no curso dessa revolução tecnológica no campo das informações da comunicação.
Esse sistema é indefinido, para não dizer obscuro?
L.E. – Sim, com certeza. Vai se fazer a primeira Conferência de Comunicação Social neste ano, com muito esforço, com muita dificuldade, com muita resistência por parte da área do governo que gerencia essa política de comunicação. A conferência nacional tem de ser precedida de conferências estaduais e municipais, a exemplo das outras. Em 1941 já se fez a primeira Conferência Nacional de Saúde. De lá para cá, já houve 12 ou 13 conferências de saúde, que é onde a sociedade civil se expressa, controla, fiscaliza, decide a política de saúde. Enquanto que na comunicação social não existe absolutamente nenhuma instância de representação da sociedade civil, a não ser o Conselho de Comunicação Social, que está desativado há quase três anos. E, a propósito, realizamos na última semana uma audiência pública, à qual o Senado não se fez presente, nem por meio de senadores ou representantes. E cabe ao presidente do Senado convocar sessão do Congresso para eleger os conselheiros cujos mandatos estão vencidos há quase três anos.
O senador José Sarney, presidente do Congresso, está relutando em instalar o Conselho de Comunicação?
L.E. – Não é só ele, os outros presidentes também. Eu já peguei três presidentes nesse tempo em que batalho por essa questão. Batalho desde 1999, quando consegui que o então presidente, senador Antonio Carlos Magalhães, aprovasse a lei que estava no Senado e que já tinha sido aprovada na Câmara, para que se regulamentasse o Artigo 224, do Capítulo V da Constituição, para que fosse regulamentada a criação do conselho. O colegiado já constava da Constituição de 1988. Só em 2001 foi feita a eleição dos primeiros conselheiros e em 2002 foi instalado o primeiro conselho. Contudo, com um caráter diminuído em seu poder, em relação àquilo que se pretendia na época da Constituinte de 1988. A deputada Cristina Tavares, de Pernambuco, foi quem liderou esse movimento junto com outros deputados. Pretendia um conselho deliberativo, um conselho fiscalizador, um conselho no qual as outorgas também passariam, percebe? Não só passariam nas comissões do Senado e da Câmara, mas também deveriam passar no conselho onde tinha a representação da sociedade civil, sobre a decisão de se conceder ou não outorga, de se renovar ou não a outorga. E, mesmo diminuído, esse conselho foi instalado só em 2002. Funcionou relativamente bem com esses limites de poder, com mandatos de três anos, e de lá para cá não fez nenhuma eleição de um novo conselho. O conselho está absolutamente desativado e ausente desse debate todo que se faz no país inteiro sobre a política de comunicação, que vai ser o eixo da primeira Conferência Nacional de Comunicação.
A concessão de rádio e TV não é vista como um bem público?
L.E. – Não é vista. Ou, pelo menos, se fala isso, não tem consciência de que isso é um patrimônio da sociedade. E é o Estado, em nome da sociedade, que confere ou não essas outorgas e essas renovações de concessões. Então, há um déficit de consciência política a respeito do tema na sociedade. Por isso que a sociedade se mantém passiva diante das coisas todas que ocorrem, como por exemplo, concessões ilegais e inconstitucionais que ocorrem por aí. Isso de um lado. Do outro lado, os interesses pessoais de grupos, de setores que têm o controle desse poder. Que é um poder maior do que qualquer outro poder. Mesmo o poder do Estado, do ponto de vista do quanto esse poder interfere na vida da sociedade, na economia do país, na cultura, na ideologia, nos valores, no comportamento, nos interesses econômicos. É uma coisa fantástica esse poder. E tem os oligopólios. São quatro, cinco grupos que detêm o oligopólio dessas concessões. Com, evidentemente, a leniência e a conivência de quem concede, ou permite, ou fecha os olhos a essa concentração fantástica de controle sobre os meios de comunicação. Se naquele tempo já era muito poder nas mãos de poucos, imagine com a digitalização, com a convergência tecnológica, com a internet, com a propriedade cruzada que detém a concessão de rádio, TV, telefonia, etc. Portanto é uma selva, que interessa a muito poucos reforçar privilégios em detrimento inclusive da democracia.
Isso colabora para que o Parlamento continue a conceder outorgas em um processo automático?
L.E. – Com certeza. O máximo que se consegue fazer é verificar o quanto os documentos, apresentados ao se requerer uma renovação de uma concessão, estão de acordo com as exigências formais, legais. É uma formalidade. Você não tem condições de ir lá e verificar se aquelas metas, aqueles percentuais que obrigam um determinado concessionário em termos de tempo de informação, conteúdos culturais, a regionalização, a produção independente, a diversidade, a universalização da informação em um país tão diversificado, tão culturalmente plural... Isso não é respeitado. Há 48 anos existe o Código Brasileiro de Telecomunicações. De lá para cá, teve a Constituição de 1988, cujo capítulo sobre o tema não foi regulamentado até hoje. E teve recentemente a incorporação de um novo sistema, o sistema digital, que multiplica por mais de três o potencial do espectro eletromagnético desses veículos de transmissão de informação, de imagem, de conceito, de valores, de cultura, etc. Por isso que eu tenho dito: sou uma militante da luta pela reforma agrária, porque venho de lá, dos cafundós do Judas, lutando pela democratização da terra no campo. Por isso sofri repressão política e tive de vir ao Sul por conta disso. E eu digo hoje, com o conhecimento que adquiri nestes 12 anos de mandato, militando nessa área, que mais importante do que a reforma agrária é a democratização dos meios de comunicação. No dia que se fizer esse processo de democratização e de controle da sociedade sobre esses meios, nós teremos condições políticas de fazer a reforma agrária e qualquer outra reforma que se precisa fazer neste país.
Essas concessões públicas são confundidas com propriedades privadas?
L.E. – Lógico. O setor comercial é isso. Por exemplo, como é que se afere a audiência? É em cima de espaço destinado à publicidade. E a publicidade vem na razão direta de quantas pessoas assistem àquele programa. É um cálculo meramente econômico para aferir a repercussão de determinado conteúdo programático.
A política de comunicação melhorou no governo Lula?
L.E. – Está a mesma coisa, porque o controle desse setor está nas mãos das mesmas pessoas. Não é verdade? E os órgãos de governo, por onde passam essas decisões, não estão devidamente articulados. Não há uma política unitária. Por exemplo, uma concessão passa pelo Ministério das Comunicações, pela Casa Civil, vem a mensagem pública para a Câmara, na Câmara passa por duas comissões, depois vai para o Senado... E mais, se a fiscalização do ministério, ou seja lá de quem for, identificar alguma irregularidade e propuser a cassação de uma concessão; são tantos os direitos que esse concessionários têm. Primeiro, ele pode recorrer à Justiça. Além disso, é preciso uma sessão do Congresso com 3/5 para poder decidir sobre um veto de uma concessão. Enquanto que os outros serviços não passam por esse trâmite. Um eventual veto, a proposta de anulação de uma concessão comprovadamente irregular, passa por todos esses trâmites, que vão levar outros dez anos... E isso não impede o funcionamento do canal, da emissora. Até ele aguardar a decisão do Congresso, a decisão da Justiça, ele continua operando 15 anos no rádio e dez anos na televisão, que é o tempo que dura uma concessão.
O que a senhora achou da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de acabar com a exigêcnai de diploma para exercício do jornalismo?
L.E. – Acho isso um absurdo. Isso favorece os donos de jornal, rádio e televisão. Isso há 30 anos era admissível, porque não tinha faculdades, os meios de comunicação não tinham o nível de complexidade, exigência e modernidade que têm hoje. Agora, o que me admira é que não há nenhuma reação, como se aquilo fosse tranquilo. E isso a gente sabe a quem interessa, basicamente.
Essa decisão faz parte desse sistema obscuro?
L.E. – É lógico. É evidente que alguém podia exercer quando, em seu tempo, não havia uma exigência de formação especializada naquele campo. E isso vale para qualquer outra profissão. E essa é uma profissão que forma opinião, forma consciência, ou deforma consciência, dependendo do que se faça com a informação. A falta da exigência do diploma não significa democratizar o acesso, absolutamente. É você tornar os lucros mais fáceis para os donos de veículos, porque eles agora contratam qualquer um.
Qual a análise que a senhora faz da crise que assola a Câmara e o Senado?

L.E. – Acho que é uma crise de representação, da dimensão da democracia representativa. Isso ocorre no mundo inteiro. A sociedade civil tem de ter soberania popular, até porque a fonte do poder é o povo, é o cidadão e a cidadã. É o eleitor que delega a esses representantes o poder de representá-lo, de legislar por ele. As identidades ideológica e doutrinária de projeto político estão completamente perdidas. Você não sabe quem é quem. Você vê indivíduos que podem ser identificados como sendo de uma orientação ideológico-política, mas hoje é uma confusão geral com essa base tão heterogênea de sustentação do governo. Há uma crise de representação, há uma crise de legitimidade, e há uma crise de democracia participativa e democracia direta.
A crise também é do senador José Sarney?
L.E. – É da disputa de poder entre as instituições políticas. Os problemas, muitos deles, são crônicos e vêm de muitas décadas. E as coisas vão aflorando de forma mais aguda, mais explícita e mais grave dependendo da conjuntura da disputa de poder que se dá. Não é uma coisa que se faz naturalmente, dentro de um processo democrático. Ele se faz nos bastidores, nas lideranças, nos caciques políticos. Então não há uma democracia partidária. Há uma ditadura do colégio de líderes e das mesas diretoras das Casas. Que sequer se tem clarezas de onde estão as responsabilidades em relação a quem tem o poder para determinadas decisões. Então, é preciso uma revisão estrutural.
Qual sua opinião sobre o presidente Lula ter afirmado que afirmou que o senador Sarney não pode ser tratado como "uma pessoa comum"?
L.E. – A conjuntura partidária, eleitoral e política desvirtua a realidade. Nós que estamos aqui, e que de certa forma vivenciamos essa realidade, temos dificuldade de saber o que é o quê e quem é quem; imagine o cidadão comum. Como é que ele entende que pessoas e grupos e partidos que, no passado, foram responsáveis pelo arbítrio, pela ditadura, por essa política econômica que sacrificou a imensa maioria do nosso povo. Todas as mazelas da sociedade brasileira são de responsabilidade desses grupos que hoje partilham o poder igualmente, de uma composição de forças que no passado estava antagonicamente colocada no espectro político eleitoral. Isso também, a meu ver, é parte da crise. Sarney esteve no foco de sustentação de um regime discricionário, que retirou as liberdades democráticas, comprometeu a democracia, fez políticas que não foram de distribuição de renda e de respeito à justiça social, aos direitos sociais. Então, quero dizer o quanto o componente conjuntural da disputa de poder, a meu ver, é parte da crise. Está na raiz dessa crise. Enquanto não se resolver isso por meio de uma reforma política que passe pela discussão com a sociedade, essa crise não se resolve com medidas pontuais, administrativas e algumas tentativas de resolver ali e acolá. É uma crise estrutural em todos os seus aspectos.

Jornalistas e pesquisadores: a parceria mais do que necessária

Wilson da Costa Bueno*

A reunião da SBPC, que este ano se realizará em Manaus/AM contribuirá, novamente como ocorre todos os anos, para ampliar o debate sobre o papel da ciência e da tecnologia no mundo contemporâneo e para chamar a atenção ( o que nos diz diretamente respeito), sobre a importância da divulgação científica e do jornalismo científico em particular.
Infelizmente, temos ainda um caminho imenso e árduo a trilhar por vários motivos, mesmo admitindo que a situação é hoje melhor do que a que vigorava há uma década ou mais.
Em primeiro lugar, a formação dos jornalistas e divulgadores ainda é deficiente, sobretudo porque a maioria dos cursos de Jornalismo não incorpora ao menos uma disciplina ou espaço regular para o estudo, a pesquisa e a reflexão que contemplem o processo de divulgação científica. Isso significa que, além da deficiência do ensino formal de ciências no Brasil (temos uma carência imensa de professores em Biologia, Química e Física, por exemplo), os futuros jornalistas, mesmo em universidades públicas, não dispõem de conteúdos e discussões em áreas fundamentais para a formação científica, como a Sociologia, a Filosofia e a História da Ciência. Isso quer dizer que encontrarão dificuldade para contextualizar os grandes temas científicos e, sobretudo, para enxergá-los a partir de uma perspectiva crítica.
Em segundo lugar, os nossos centros produtores de conhecimento e pesquisa (institutos e universidades), com raras exceções ( a Embrapa e a Fiocruz são certamente os melhores exemplos), exibem uma cultura de comunicação, ou seja não estão definitivamente comprometidos com a democratização do conhecimento e, portanto, não dispõem uma estrutura profissional em comunicação/jornalismo para compartilhar resultados de pesquisa e alimentar o debate sobre a ciência e a tecnologia e seu impacto na sociedade.
Em terceiro lugar, há um preconceito (que já foi maior, reconhecemos) da comunidade acadêmica e científica com o Jornalismo Científico em particular e com a divulgação científica de maneira geral. Muitos pesquisadores, diretores de Institutos e mesmo autoridades que avaliam os nossos programas de Pós-Graduação (inclusive os da área da Comunicação Social), julgam que a tarefa de prestar contas à sociedade não é necessário ou relevante e que, portanto, o trabalho de divulgar deve ser relegado a um segundo plano ou descartado, porque não conseguem enxergar além dos limites do cientificismo e da chamada produtividade científica. Em geral, avaliam muito positivamente o pesquisador que publica um artigo numa revista Qualis A internacional, mas torcem o nariz quando se defrontam com um colega que contribui regularmente com um veículo de imprensa. Acreditam piamente que os livros técnico-científicos, a literatura especializada, têm valor e que os de divulgação científica, não. Não estão dispostos a dialogar com a sociedade e vêem a mídia como adversária, embora, em muitos casos, ela efetivamente tenha dado (e continua dando) razão a eles em virtude de um trabalho não competente de divulgação, marcado pela imprecisão no trato dos conceitos e por um sensacionalismo indevido. Não podemos, inclusive, deixar de mencionar o fato de que o próprio Comitê de Divulgação Científica do CNPq não incorpora um representante da área de Jornalismo Científico e que, mesmo nos altos escalões da ciência e da tecnologia brasileiras, se vislumbre o jornalismo científico com preconceito, ainda que o discurso oficial proclame o contrário.
Pesquisadores e jornalistas/divulgadores precisam estabelecer definitivamente uma relação de parceria porque ela é vital para a sociedade, porque pode contribuir para reduzir a exclusão social, promover a alfabetização científica e para incluir segmentos da sociedade no debate sobre a ciência e a tecnologia.
Numa sociedade democrática, não é razoável que a decisão sobre investimentos em ciência e tecnologia (investir em nanotecnologia, células-tronco, transgênicos, fármacos, biocombustível, por exemplo) exclua outros setores que não a comunidade científica, mesmo porque, num País onde o Estado, o Governo é o maior patrocinador da ciência e da tecnologia, somos todos nós, afinal de contas, que pagamos esta conta.
Estamos necessitando cada vez mais de divulgadores científicos, de jornalistas científicos, de pesquisadores e cientistas (como Marcelo Gleiser, Roberto Lent e muitos outros) que sigam o exemplo magnífico de José Reis, cientista de prestígio e que dedicou sua vida ao Jornalismo Científico, colaborando por mais de 50 anos regularmente com a Folha de S. Paulo (ah, que saudades da coluna Periscópio e de sua visão comprometida com a democratização do conhecimento). Precisamos formar jornalistas com o perfil de Marcelo Leite e Washington Novaes (para só citar dois casos) que se debruçam com competência sobre temas complexos e que (isso é essencial) os contemplem criticamente, identificando a verdadeira contribuição da ciência e da tecnologia e os interesses que delas se cercam para obtenção de vantagens para pessoas, empresas e governos (alguém duvida que interesses empresariais, políticos e militares contaminam recorrentemente a produção e a divulgação da ciência e da tecnologia?).
Precisamos de fontes dispostas e competentes para subsidiar o processo de divulgação científica e o Jornalismo Científico em particular e, em especial de fontes independentes (infelizmente, mas faz parte do negócio, há bocas alugadas de empresas , governos e grupos por aí, travestidas de cientistas e pesquisadores e isso ocorre em todo o mundo).
O que você imagina quando vê campanhas de propaganda de medicamentos exibidas na TV com a assinatura de sociedades científicas ou profissionais? O que você pode deduzir quando percebe cientistas e pesquisadores militando em favor de interesses empresariais ou sendo por eles cooptados em troca de prestígio ou grana mesmo? Você ainda acha que diretores de pesquisa e desenvolvimento de algumas corporações (da indústria do fumo, da saúde, agroquímica etc) são fontes isentas? Você acha que eles falam em nome da ciência ou apenas têm compromisso com a verdade e os lucros de seus patrões? Você ainda acredita na neutralidade da ciência e já se questionou a respeito dos interesses de quem financia ou patrocina a produção da ciência? Afinal de contas, você acredita que existe mesmo "almoço grátis"?
A parceria entre jornalistas/divulgadores e pesquisadores/cientistas é vital para a democracia. Para isso, precisamos estimular o diálogo, multiplicar as convivências como assistiremos certamente na próxima reunião da SBPC. Juntos, podemos construir uma sociedade melhor, mais justa, menos dependente dos monopólios (como o da mídia e das sementes!) , promover um debate diverso ( portanto não transgênico, não agrotóxico, não militarista, como propõem algumas empresas e governos, respaldados em lobbies ilegítimos que tentam impor de maneira predadora os seus interesses espúrios).
A ciência e a tecnologia são importantes, mas devem estar comprometidas com o interesse público e não podem, no processo de divulgação, ser falseadas, para atender objetivos que se situam em outras vertentes.
Os jornalistas críticos e os pesquisadores/cientistas independentes precisam dar as mãos para enfrentar esses lobbies formidáveis que penalizam a sociedade em favor dos lucros das empresas e governos que os patrocinam.
Logo, algumas dicas úteis, para você que trabalha, prioritariamente, ou não com a divulgação de informações especializadas. Olho vivo com releases oriundos de determinadas organizações e, antes de divulgá-los, faça o caminho natural: veja quem está por trás deles, quem irá lucrar com a sua divulgação, "follow the money" (siga o dinheiro), como dizem os americanos (e eles entendem muito disso). Não seja seduzido pelo canto de sereia das novas tecnologias, mas a contemple criticamente. Busque cientistas independentes, antes de ser utilizado como "laranja" ou mula para determinados interesses. Confronte idéias,ouça o outro lado. Caso contrário, acabará acreditando que os transgênicos vão mesmo matar a fome do mundo, a indústria da saúde existe para salvar a vida dos cidadãos, os agrotóxicos são remedinho de planta (são veneno e dos bravos!) e é mesmo necessário invadir países a torto e a direito (sobretudo os que têm petróleo) para combater o terrorismo. Não acredite que, para parar de fumar, é preciso tomar remédio (caríssimo) promovido amplamente por uma indústria farmacêutica (mudar os seus hábitos, funciona muito mais!) e que a indústria de fast-food está interessada na alimentação saudável dos seus filhos. Não acredite que a auto-regulação seja a solução para coibir abusos na propaganda de bebidas, alimentos para crianças, medicamentos etc e que as restrições a essa propaganda tenham a ver mesmo com a afronta à liberdade de expressão (mas tem tudo a ver, pode acreditar, com os lucros de veículos, agências e anunciantes!). O jornalista científico bem formado não tem pacto com a ingenuidade e não se deixa iludir com esse discurso manipulador que vigora por aí que proclama responsabilidade social (como faz a indústria tabagista que mata milhões em todo mundo) ou sustentabilidade (quem fabrica e vende veneno ou defende e pratica a monocultura, qualquer que ela seja, é sustentável de araque!). Investigue, busque fontes fidedignas, respeite os pesquisadores verdadeiramente independentes. Não acredite em quem está querendo apenas ganhar dinheiro com uma divulgação pretensamente científica e, necessariamente, não acredite em alguém apenas porque exibe o título de doutor ou titular de universidade alguma ou tem um generoso currículo Lattes. Há gente boa e gente mal intencionada em todos os lugares e produção grande não quer dizer produção comprometida com o interesse público. O importante será sempre separar o joio do trigo. Valorize apenas as fontes que não são bocas alugadas e desconfie daquelas que para salvar a própria pele (ganhar prestígio, dinheiro com palestras e consultorias) cerram fileiras em torno de grandes interesses políticos e empresariais.
O bom jornalista científico não é apenas aquele domina a técnica jornalística, mas o que principalmente quer e sabe enxergar além da notícia. Leia mais, pesquise mais, desconfie mais das fontes que empurram notícias para os jornalistas, mesmo na área de ciência e tecnologia. Cautela e caldo de galinha não fazem mal a ninguém. Polemize, discuta, confronte fontes, denuncie tentativas de manipulação, desmascare quem está usando a ciência para vender produtos e processos. Lembre-se sempre: quando se poupa o lobo, coloca-se a vida da ovelha em risco.
Em tempo: uma dica última e que funciona muito bem. Ao receber um release de uma empresa ou organização, tente descobrir também o seu "currículo" para ver se elas têm ou não problemas no passado (pressão sobre jornalistas e pesquisadores, prática de suborno, prejuízo a comunidades, crimes ambientais ou financeiros etc). Para isso, dê uma navegada no Google, colocando como assunto o nome da empresa (no caso de organizações, busque sempre as empresas que as patrocinam porque as organizações são criadas exatamente para disfarçar esses interesses) mais a palavra problemas (os resultados são maiores quando se coloca o nome da empresa e "problems", se forem empresas globais, porque muita coisa não sai em Português, mas o Inglês é implacável com organizações predadoras). Ponha "agente laranja no Vietnã", por exemplo, e verá o que pode resgatar (vai ver tem até empresas que ainda estão por aqui envolvidas nesse genocídio) ou Projeto BioAmazônia, ou ainda "suborno na Indonésia" (só um exemplo, pode ser em outro lugar), morte com agrotóxicos (quem sabe as empresas que prometem matar a fome no mundo também não produzem agrotóxicos, sabe-se lá! Seria uma contradição, se isso acontecesse, porque elas dizem que a campanha contra os transgênicos é financiada por empresas de agrotóxicos!), mortes por amianto (mata mesmo, não tenha dúvida). Poderá ter grandes surpresas nessas buscas e em outras que, eventualmente, puder fazer. Se não gostar do que encontrou, talvez seja melhor não publicar o release. O que acha? Ou você, mesmo assim, sendo responsável como é, irá continuar fazendo o jogo errado? Valerá a pena divulgar a empresas que têm esse passivo? E olha lá: não fui eu quem escrevi esses links de notícias que poderá encontrar no Google. Logo, sou insuspeito nesses casos. Boa busca na Web, meu amigo, minha amiga.

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*Wilson da Costa Bueno é jornalista, professor do programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da UMESP e de Jornalismo da ECA/USP, diretor da Comtexto Comunicação e Pesquisa.


Fonte: http://www.jornalismocientifico.com.br

domingo, 7 de junho de 2009

Brasil sustentável?

“Uma sociedade sustentável é aquela que satisfaz suas necessidades sem diminuir as perspectivas futuras”. Dessa forma, o ambientalista Lester Brown define o conceito de sustentabilidade tão em voga nos últimos tempos. Nesse contexto, o caso brasileiro se manifesta como uma tragédia anunciada.
O Brasil vem sistematicamente arrasando os seus biomas “amazônia, cerrado, caatinga, pantanal, mata atlântica, pampa” em nome do crescimento econômico. O país está perdendo o bonde da história e não percebe, ou não quer perceber, que é um dos poucos países que poderia oferecer uma alternativa à crise civilizacional, ancorada, sobretudo na crise climática.
Assiste-se a uma ofensiva sem precedentes de grandes grupos econômicos, capitaneados pelo agronegócio, sobre os recursos naturais. Nunca tantos projetos que afetam o ambiente tramitaram no Congresso brasileiro como agora. No pacotão anti-ambiental, encontram-se, entre outras, as seguintes iniciativas: Medida Provisória 452; Medida Provisório 458 - conhecida também como MP da Grilagem; alteração do Código Floresta; asfaltamento da BR-319 (Manaus-Porto Velho).
Todas as iniciativas têm em comum o ataque às poucas conquistas ambientais inscritas na constituição brasileira. A MP 452, acabava com a necessidade de licenciamento ambiental para intervenções de reparo, melhoria e duplicação em rodovias federais, inclusive as que cortam a Amazônia. A MP chegou a ser aprovada na Câmara, mas foi obstruída no Senado por falta de quorum.
Por outro lado, a MP 458, aprovada na Câmara, permite legalizar milhares de posses de terras públicas com até 1.500 hectares (15 km2) nos Estados amazônicos. Segundo a ex-ministra Marina Silva, a MP coloca a Amazônia em risco: “É a consagração da política nefasta do fato consumado. Avança-se sobre áreas públicas na certeza de que mais dia menos dia tudo será legalizado. É um convite a surtos futuros de grilagem, na expectativa de mais uma regularização que, como essa, beneficiará os grandes em nome dos pequenos e da questão social”, diz ela.
Na esteira de ataque à legislação ambiental, encontra-se ainda a guerra contra o Código Florestal. A bancada ruralista protesta contra a exigência de cumprimento do Código Florestal e quer alterá-lo por considerá-lo rigoroso.
Os ataques, e desrespeito sistemáticos à legislação ambiental, estão por detrás da lenta, mas vigorosa destruição da biodiversidade brasileira. Quatro décadas é o tempo que resta de vida para a Mata Atlântica se o atual ritmo de destruição for mantido. É o que revela o estudo realizado pelo Atlas dos Remanescentes Florestais divulgado pela Fundação SOS Mata Atlântica e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O Estudo mostra que, a despeito de campanhas e alertas, o desmatamento persiste inabalável, no ritmo de 34 mil hectares ao ano desde 2000. Nessa velocidade, a floresta tem data para acabar: 2050. Assim como o país tolerou em décadas passadas agressões gratuitas ao meio ambiente “ Itaipu, Balbina, Tucuruí, Transamazônica”, tudo leva a crer que caminha para outros erros: aceitação dos transgênicos, transposição do Rio São Francisco, expansão da cana-de-açúcar para produção do etanol, construção de hidrelétricas, retomada do programa nuclear, enfraquecimento da legislação ambiental, pavimentação de rodovias que rasgam áreas intocáveis da Amazônia.
Assim como a nossa geração lamenta os erros cometidos pelas gerações anteriores, tudo indica que as gerações futuras lamentarão as decisões de hoje. Infelizmente, o Brasil parece não perceber que frente à crise epocal, desencadeada pelo aquecimento global, joga um papel estratégico. No contexto da crise ambiental, o país abre mão de utilizar racionalmente os recursos naturais limitados e parte com tudo para opções preocupantes.
“Uma sociedade sustentável é aquela que satisfaz suas necessidades sem diminuir as perspectivas futuras”, lembra-nos o ambientalista Lester Brown. Será que o Brasil está fazendo a lição de casa?
Fonte: www.radioagencianp.com.br/(*) Pesquisador do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores e doutorando de Ciências Sociais na UFPR.